Maceió ainda chora e adoece mesmo após uma I que, na teoria, garantiu pontos importantes no caminho de uma reconstrução justa e digna para as 60 mil pessoas diretamente impactadas pelo crime da Braskem.
A I representou um marco por alguns fatores. Primeiro, pela issão de culpa pelo afundamento do solo por parte de um diretor da petroquímica, o que ocorreu pela primeira vez desde o início dos tremores na cidade, em 2018.
Depois, por atestar oficialmente que o nome para o que ocorre em Maceió não é tragédia, mas crime. Algo que, aqui no Brasil de Fato, chamamos pelo nome desde as primeiras aparições de rachaduras nas casas e ruas dos cinco bairros destruídos pela mineradora. No relatório final aprovado em 21 de maio, a mineradora e seu vice-presidente, Marcelo de Oliveira, foram indiciados, entre outros, pelo crime de "lavra ambiciosa".
O último ponto de destaque de uma I que surgiu manchada pela disputa política entre Arthur Lira e Renan Calheiros foi reafirmar o que todo mundo já sabe (ou deveria saber): a necessidade de resolver os problemas das famílias que ainda vivem em áreas de risco.
No caso do bairro do Bom Parto, nem mesmo os senadores da I visitaram as famílias que ainda vivem sob rachaduras, suscetíveis às enchentes nas margens da Lagoa Mundaú. No Beco do Sargento, mostramos o descaso da mineradora e da Defesa Civil Municipal com a população que deseja ser realocada, mas segue morando em casas prestes a desmoronar nas proximidades das 35 minas de extração de sal-gema da Braskem, desativadas desde 2019.
Já havíamos visitado o bairro em dezembro do ano ado, durante o colapso da mina 18, e, por surpresa nossa, as condições de vida estavam ainda mais deterioradas. Além da precariedade das casas, o desemprego e o alcoolismo seguem em alta e muitas famílias só dormem às custas de remédios.
A petroquímica inclusive acionou a justiça para impedir que essas famílias fossem incluídas no Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF), que daria o direito a realocação. É uma realidade "sub-humana", definiu o presidente da Associação do Bairro do Bom Parto, Fernando Lima.
O relatório final do senador Rogério Carvalho (PT-SE) é enfático ao solicitar que a Defesa Civil de Maceió reestruture o mapa de risco e revise os acordos de indenização das famílias atingidas. O texto pede também que se considere o “risco de ilhamento socioeconômico”, como acontece na comunidade dos Flexais, que não entrou na área de risco, mas teve todos os equipamentos públicos que atendiam à população realocados ou desativados.
Mas o que vem sendo feito é o oposto. Nos Flexais, mostramos que, embora 74% das 2,7 mil famílias desejam ser realocadas para outro local, a mineradora continua com as obras de revitalização da comunidade, a contragosto de quem vive por lá. E pior: gerando transtornos para quem mora nos arredores das máquinas, com barulho e poeira.
O forte artigo de Maurício Sarmento, morador dos Flexais, expôs o depoimento que a I precisa ter escutado. A comunidade onde também viveu Nise da Silveira, referência em psiquiatria humanizada, é sintetizada pela liderança do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem como um local que "tinha uma vida pulsante e ativa, mas virou lugar de terror".
Em outra frente de luta por justiça em Maceió, está a valente e combativa Igreja do Pinheiro, um dos últimos imóveis a ser desocupado pela Defesa Civil após o colapso da mina 18 da Braskem, em dezembro.
Mostramos que os membros do espaço liderado pelo Pastor Wellington Santos vêm lutando na justiça para voltar a seu endereço de origem, na Rua Miguel Palmeira. A comunidade religiosa denuncia o "crime imobiliário" levado a cabo pela mineradora que, através de um acordo assinado com o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União, se torna dona da área dos imóveis que indenizar.
Por essa luta incansável contra a mineração irregular na capital alagoana, o pastor da Igreja do Pinheiro será o nome apoiado pelo MST para concorrer a uma vaga na Câmara dos Vereadores em 2024.
Estivemos no lançamento de sua candidatura e mostramos, a partir das vozes progressistas e dos movimentos populares, o que estará em jogo nas eleições municipais deste ano. Obviamente, o caso da Braskem está no centro do debate.
Também é preciso pontuar como o esfacelamento da saúde mental é uma constante entre os atingidos em Maceió. As consequências da destruição dos cinco bairros da capital alagoana sobre a saúde mental da população são evidenciadas através de uma pesquisa da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Os casos de ideação suicida aumentaram de 2% para 27,5% após a remoção dos bairros de origem, desde 2018. Já o Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB) contabiliza 13 mortes por suicídio após o afundamento do solo. Tudo isso acontecia enquanto a Braskem patrocinava o programa Big Brother Brasil 23 e pagava celebridades da TV e influenciadores das redes sociais para difundirem ações de “marketing verde”.
Por fim, o que precisamos destacar é que, mesmo sufocada, a mobilização popular continua a denunciar as injustiças e apontar caminhos para uma reparação justa. A Braskem, a justiça e as próprias instituições públicas, no entanto, travam esse direito. Nas ruínas da cidade, nos tribunais, e na política, a voz do povo, principalmente a do mais pobre, é constantemente silenciada. Mas ela nunca morre.
Seguiremos atentos e monitorando o descaso de uma mineradora milionária que destruiu 20% de uma capital brasileira e deixou sequelas para toda uma população. Também cobraremos dos órgãos públicos que atuem por essas famílias antes que seja tarde.
Se a Braskem deseja o silêncio, aqui mostraremos o grito das 60 mil vozes maceioenses que lutam incansavelmente pelo direito de existir.
Sigam conosco.
*Pedro Stropasolas é repórter do Brasil de Fato e autor de reportagens sobre o crime da Braskem em Maceió (AL).